Crítica

O seriado "Pé na Cova" (Globo), de Miguel Falabella, iniciou uma nova temporada nesta terça-feira (2). 

E Françoise Hardy, quem diria, acabou no Irajá! Um dos maiores nomes da canção francesa, a cantora Françoise Hardy foi quem deu início ao primeiro episódio da nova temporada de "Pé na Cova". "Tous les Garçons et Les Filles", sucesso internacional de Hardy no início dos anos 60, pairou sobre imagens da sempre maravilhosa cidade do Rio de Janeiro e foi parar no bairro do Irajá. 

E os personagens estilo "feios, sujos e malvados" do seriado estavam todos de volta. Debochados, descompromissados -- especialmente livres da chatice do "politicamente correto", voltaram para saudar as diferenças e demonstrar que no fundo, somos mesmo todos muito parecidos. 

Os tipos são caricaturais, mas nem por isso deixam de demonstrar a sua humanidade. São divertidamente "sem noção", mas cheios de emoção. 

Não mais do que de repente, é anunciada a volta da Babá (Niana Machado) e Ruço (Falabella) vai recebê-la com todas as honras e a tira para dançar no meio da praça. É tão fora de propósito que se torna lírico. 

Mais tarde, como um verdadeiro "tsunami", surge em meio ao povo a Diva Markassa (Maurício Xavier), o mecânico Marcão que sai à noite linda e loura para fazer alguns "atendimentos" e completar a renda da casa. O melhor de tudo é que no dia seguinte, cansado de dar duro na oficina e não ver a cor do dinheiro, Marcão se nega a tirar as unhas postiças de Markassa pelo trabalho que dá para recolocá-las! "Eu tenho culpa se no nosso país viração dá mais do que microempresa?", argumenta Markassa dentro de um longo dourado justíssimo. 

E a ninfomaníaca Luz Divina (Eliana Rocha), que no delírio seu confessa não ter uma noite de sossego pelo assédio dos homens!? A sombra furta-cor em suas pálpebras é uma direta homenagem à arara da Juréia, algum tempo atrás em extinção. 

O chato do vizinho Floriano (Rubens de Araújo) resolve impor a moral no bairro e faz uma passeata com alguns simpatizantes. E ele afronta Ruço, afirmando categoricamente sobre o filho de Odete Roitman (filha de Ruço): "Essa criança não pode viver aqui: o pai é sapatão (Tamanco - Mart'nália), a mãe é stripper (Odete - Luma Costa) e o tio é travesti (Markassa)!". E para engrossar a manifestação, Floriano conta com o apoio da "gorda" que enfrenta Ruço ostensivamente. "Manda essa gorda calar a boca que eu implico com ela!". E não é de hoje. 

Darlene entra em cena e, como não poderia deixar de ser, o clima se torna intenso. Louca de pedra, desinfeta as coisas do bebê de Russo, o Neymã (mistura de Neymar com Cauã) com a vodka do copo que nunca larga. Mas comove fundo ao lembrar o quanto amou Ruço tempos atrás. 

Em questão de segundos a grande atriz passa do ar de constante festa para a densidade necessária do rápido momento. "Uma vez eu te dei um sonho, mas acho que você não percebeu", diz Darlene comovida para Ruço que parece não captar a mensagem. Darlene é Marília Pêra. Está explicado. 

Para glamorizar ainda mais a produção musical do seriado, foi a vez da ex-primeira dama francesa dar as caras no Irajá: Carla Bruni sussurra suavemente a sua bela canção "Quelqu'un m'a dit". 

"Pé na Cova" é divertido, ousado, instigante, debochado, inteligente e --benza Deus-- desligado do castrador politicamente correto. Mas não permite meio termo: ame-o ou deixe-o. 

Fonte: Folha de São Paulo