20 de março de 2012

TRÊS DIAS ANTES DO AMOR


Tenho corrido tanto neste início de século, que mal tenho tido tempo de aproveitar a chegada do verão - mas ele chegou, finalmente, e trouxe as mudanças de espírito que estávamos aguardando desde o início de dezembro. Chegou meio inesperado, meio molhado, mas ainda assim merecia ter sido melhor recebido, reconheço. Mas a vida vai empurrando a gente pra lá e pra cá, um passo desajeitado aqui, um pisão no pé ali, e a gente sem se dar conta de que o céu já está se tingindo de outra cor.
Dia desses, entretanto, nem sei mais porquê, cheguei na varanda e me permiti ficar na contemplação da vida que estava passando ali, embaixo da minha janela, numa tarde de janeiro. E que tarde beijava a lagoa, que grande iluminador, esse! - eu pensei comigo mesmo. Uma luz perfeita, de um amarelo vibrante, uma vontade de ficar debruçado e admirado com aquilo tudo, sem nada que quebrasse o mágico daquele momento. Uma brisa que se podia sentir mergulhando no corpo e até ver no encrespado do espelho d’água. Fiquei lembrando de uma frase de Virginia Woolf, acho que está em Mrs Dalloway e ela se refere à beleza da manhã - como para crianças numa praia! - acho que é isso, e eu pensei que aquela tarde era o cenário ideal para crianças numa praia e todos os seus castelos de areia. E celebrei, ali, em silêncio, o meu festival do estio, acendendo o coração e enchendo as narinas com o cheiro que vinha pelo ar. O meu festival do estio. Cheio de entidades tropicais, eu ia pensando, sereias e índios, sacis e caiporas. Dias antes, com alguns amigos, eu tinha assistido a um vídeo de um balé irlandês e ficamos comentando sobre a antiga religião celta. De repente, Mary começou a contar a história de uma raça de fadas, as pixies, na verdade humanóides alados, que habitavam as florestas da Irlanda. Daí que, ali, pendurado na sacada, lembrei da história e fiquei inventado as minhas entidades, umas fadas brasileiras, cheias de gingado no bater de asas, despudoradas no vôo, que eu fui soltando pelo céu da minha imaginação.
O verão tira as pessoas de casa e coloca a cidade num movimento gracioso. A volta da Lagoa ia ondulando com o tanto de gente que passeava e corria e pedalava, celebrando a temporada. É bom olhar pra gente. Tem gente que gosta de observar os pássaros. Eu gosto de observar gente. Fico inventando histórias e acontecimentos, partindo de alguém que acabou de cruzar o meu campo de visão. As histórias vão se misturando e trazendo outras e, no final, a cidade é cheia de personagens, porque é isso que elas são, na verdade.(...)

Miguel Falabella

2 comentários:

georgina disse...

Semore tive essa mania, desde garota. Imagino até as profissões, o humor, etc... Em se tratando de ser humano eu viajo.

Vitoria disse...

Miguel é demais! Está pessoa é MARA!