21 de julho de 2011

"Tenho um certo fascínio pela morte"



Os seus pais não queriam que você fosse ator. Valeu insistir?
Muito. Enquanto todos os meus colegas não sabiam o que iam fazer da vida, aos 15 anos eu já sabia. Eu tinha verdadeira fascinação por teatro. Tenho lembranças muito remotas de teatrinho de fantoche, de minha mãe me colocando na frente e eu engatinhando para ver os bonecos.

E de onde veio tanta certeza em relação à carreira? A profissão dos seus pais tinha a ver?
Não. Minha mãe era professora de Literatura Francesa e o meu pai, arquiteto. Eles eram intelectuais, nada populares (risos).

Você era a criança que pedia livro no lugar de brinquedo?
Sim! Mas eu também tive pais que me deram livros e isso fez a diferença. Monteiro Lobato foi básico. Minha mãe tinha uma biblioteca enorme. Lembro de ler várias vezes O Vermelho e o Negro, de Stendhal, aos 8 anos. E minha mãe dizia: “Você não vai gostar, mas leia. Futuramente você vai ler outra vez”. E, realmente, eu li.

Então na escola se destacou…
Não. Sempre fui um péssimo aluno. Um aluno medíocre mesmo. Eu só gostava do que eu gostava. Era incapaz de aprender matemática, física, química…

Mas por que era assim? Sofria algum tipo de bullying?
Não sofri bullying na escola. Eu sofro bullying a vida inteira.

Como assim?
Qualquer pessoa pública sofre bullying a vida inteira. Mas quem está na chuva é para se molhar. E eu também não sou feito de papel celofane. E quem sabe bater, também tem de estar pronto para apanhar, não é isso? Então, quando tenho de apanhar, eu apanho. Não caio fácil, não.

E entrar no mundo artístico exigiu uma mudança física? Digo isso porque você se descrevia como um adolescente gordinho.
Eu mudei porque eu mudei. Todo adolescente é uma coisa esdrúxula. Mas nunca fui galã. Meu forte sempre foi ser uma pessoa com empatia com o público. Tanto que fiquei 15 anos no ‘Video Show’.

Não ser o galã o incomodou?
Não. Eu também não era feio, bem feio, né? Eu era aquele engraçado que podia beijar. Mas eu também não queria ser o galã. Aliás, desde moleque eu queria muitas coisas, tinha vários projetos. Eu comprava pastas coloridas para guardá-los e escrevia umas peças que nunca acabaram. Numa época, eu me apaixonei pela Agatha Christie e escrevi uma peça de mistério com 60 personagens (risos). Foi maravilhoso, porque me deu prática. Quando você está na estrada que quer estar, as pessoas podem falar o que quiserem, porque você saberá que está certo.

Você se refere às críticas? Lida bem com elas?
Eu não leio, na verdade. Eu só leio a primeira parte dos jornais. A parte cultural eu nunca li nada. Minhas empregadas até já sabem. Elas tiram essa parte e colocam para o cachorro fazer xixi.
Por falar nas empregadas, é verdade que você sempre leva as suas para viajar com você?
Elas não são as minhas empregadas. Elas são a minha família, a minha turma. Minha casa é uma farra, as pessoas riem o dia inteiro.

Não sente falta de casamento?
Não. Eu tenho amigos maravilhosos. Eles são a minha família.

E eles frequentam a sua casa?
Sempre. Eu não gosto mais de sair de casa. Então, sempre os recebo. Essa semana jantei na casa do (José) Wilker. Eu sou um amigo muito fiel, carrego pra vida inteira. Eu vou te dizer que uma das coisas que me move é poder empregar os meus amigos. Se você pensar, as minhas novelas têm uma escalação única. Os atores delas nunca são chamados para nada, porque não têm aquele padrão de TV. Eu gosto das particularidades, de trabalhar com várias coisas ao mesmo tempo. Sou criança, tenho déficit de atenção.

E quando você desliga?
O meu desligar é trabalhando. Mas eu não sou infeliz. Tenho um amigo psiquiatra que diz: “Não se preocupe. Você não é workaholic. Você é worklover”. Eu não abro mão dos meus amigos, das pessoas que amo. Em casa, vejo muita TV e, às vezes, vou ao cinema. Teatro, geralmente, assisto pouco. Daí, quando viajo, vejo umas 30 peças. Mas na TV aberta não sei dizer o que eu vejo hoje.
Tem alguma coisa que faça você parar totalmente?
Nada. Não tenho medo de nada, nem de morrer. Aliás, tenho até um certo fascínio pela morte.

Sério? Como assim?
Eu tenho um certo fascínio. Deve ser uma onda. Não sei se eu acredito em vida pós a morte. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay, né? (Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem). Eu não sei em quê eu acredito. Mas acho que o meu saldo é positivo. Nosso País, no fundo, ainda tem um mau catolicismo, sabe? Seja bonzinho aqui, que você terá recompensa na vida eterna. E minha geração pegou muito isso. Era feio fazer sucesso. Já sofri muito bullying por ser ator da Rede Globo e fazer sucesso. E sofro até hoje, porque as pessoas ainda têm uma coisa de esquerda ressentida, que nos olham como se eles fossem o Raul Castro olhando uma Gloria Estefan em Miami. Eu não sou a Gloria Estefan. Mas, enfim, quem quer me olhar como Gloria Estefan, o que possso fazer?

Mas se cria uma vaidade em ser da Globo, não? Ou segurança?
A Globo não dá segurança alguma. Se eu não produzir, não ache que eles vão me colocar no colo e dizer: ‘Ai que bonitinho, está aqui há 30 anos’. Eu vou para a rua, sem eira nem beira, no dia seguinte. Aquilo ali não é uma ONG. É uma empresa que visa lucros. O problema é: ‘Como fazer algo interessante, num País em que a educação é zero?’. Não entendo como essas pessoas que dizem ter sido guerrilheiras não falam: ‘Vamos parar essa merda’. Não adianta melhorarmos economicamente e continuarmos um zé povinho iletrado.

Já tivemos gente de Cultura no governo. Não ajudou?
Não adianta. Fui gestor da rede municipal do Rio de Janeiro por quatro anos. Os políticos brasileiros – talvez haja uma rara exceção que não conheço – não têm a menor preocupação com cultura. Eu tive, no primeiro ano, R$ 10 milhões para administrar 16 espaços. No segundo, tive R$ 5 milhões. No terceiro, R$ 800 mil. No último ano, nada. Pedi para sair. Não teria mais nem papel higiênico nos teatros. Eu não ia passar essa vergonha. A gente precisa lutar para não ficar amargo. Mas desistam, eu não vou ficar amargo. Eu vou leve, rápido.

Você fica falando de ir rápido, leve. Tem alguma religião?
Não. Mas tenho todas. A gente tem tudo dentro, vários personagens. A gente tem a puta, o malandro, o safado. Tudo convive aqui (aponta para o coração). Eu não desisto. Tenho esperança. Sou a Pollyana da Ilha do Governador.

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