17 de dezembro de 2008

Crônica - Na Suécia também é assim

Entre as coisas que papai deixou, numa velha caixa escondida na prateleira mais alta, está uma agenda de telefone, daquelas de plástico colorido, tão em moda nos anos 70. Na contracapa, numa manhã, há mais de 30 anos, eu rabisquei o desenho de um palco com cortinas se abrindo, porque era a manhã do dia dos meus anos e eu chegava aos 18 anos, cheio dos sonhos característicos da idade. Desenhei aquele palco, lembro perfeitamente, sentado no divã sob a escada, ao lado do velho telefone cinzento da Cetel, como se traçasse o rumo da minha existência. A agenda e o desenho ainda existem e eu guardo esses esboços de sonhos, como quem guarda um personagem que ainda vai nascer, na penumbra do armário.

Sonhar fica cada vez mais difícil. Dia desses, recebi de uma amiga querida uma mensagem, bastante curiosa. Segundo ela, lendo as tragédias de Shakespeare, notadamente as três partes de Henrique VI, Ricardo III e Rei Lear, fica muito claro que um país não pode dar certo quando quem usa coroa não é quem exerce o poder.

No mínimo, um tema para muitas discussões. A mensagem chegou no exato momento em que eu me perguntava se os meus sonhos ainda viviam lá, companheiros das traças, na solidão da prateleira mais alta.

Mais tarde, já na cama, lembrei das considerações de Paul Bowles sobre a finitude das coisas, porque há um número limitado para tudo, seja para a quantidade de sonhos, crepúsculos admirados ou amores. Quantas vezes mais seremos capazes de sonhar uma nação diferente?

Quantas vezes mais nossos corações vão se magoar, e se frustrar, e buscar o cinismo como sobrevivência?, é o que eu penso, na cama, depois de procurar a agenda na caixa esquecida, na mais alta prateleira, e me certificar de que o desenho ainda é visto, sobre o papel amarelado. Há um número limitado para tudo, sem dúvida. Deviam ensinar isso na escola, junto com as primeiras letras.

Com A, vamos escrever amor durante um tempo. Depois, a credulidade nos abandona.

Eu tenho feito contas, ultimamente. Somo, subtraio, multiplico, acabo sempre enrolado nas divisões, mas esbarro sempre na pergunta sem resposta: quantas vezes mais? Antes de dormir, ainda falo com um amigo e queixo-me de que a fama e a notoriedade acabam transformando você em alguém que você não é, porque, na sociedade capitalista cristã, o sucesso está fortemente ligado ao conceito do Mal. Culpese por trabalhar demais e fazer bem-feito, em última análise, é essa a mensagem transmitida.

Ele me diz que leu em algum lugar uma entrevista da grande Ingrid Bergman, na qual ela afirmava que a Suécia era implacável com os filhos bem-sucedidos. Uma opinião, segundo ele, compartilhada pelo grande Ingmar Bergman.

- Bom, se na Suécia também é assim, acho que já posso dormir tranqüilo, eu respondi, desligando. Mas não consegui dormir e, como fazia muito calor, acabei tomando meio dormonid, liguei o ar-condicionado e fui passear num castelo da Suécia, gelado no inverno do sonho.

Revista Isto É - 17/12/08

Abraços!

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